Era uma vez, um molusco, mais
especificamente uma ostra, mais especificamente ainda duas valvas, envoltas num
ligamento elástico e cobertas por um manto mágico.
Certo dia um intruso se aproxima
do que tinham de mais sagrado, a união. E para defender-se aciona seu manto que
imediatamente aprisiona o intruso com madrepérola, formando uma jóia mais
valorizada pelos humanos do que no mundo marinho.
Acontece que o que os humanos
chamam de jóia é motivo de grande dor e sofrimento no mundo marinho,
especificamente para os moluscos e nesse caso específico para a Ostra Otra.
Otra era uma ostra feliz, vivia há
anos nas profundezas do mar e era reconhecida por não deixar que seres estranhos
adentrasse seu interior. Era muito comum ouvi-la dizer para seus amigos ‘posso
ensiná-lo a se proteger, mas não te proteger, pois cada um deve fazer por si’.
E assim corria os dias, meses e anos, sem que Otra fosse atingida por qualquer
fator externo. Suas amigas embora a ouvissem, não a escutavam e por vezes diziam
‘como você saberá se não experimentar?’ ‘Será que proteger-se é esconder-se?’ ‘Não
viver o que as coisas do mar querem ensinar, não seria uma afronta ao intempestivo
Poseidon?’
Certo dia refletia, aliás, pela
primeira vez, sobre o que suas amigas cansavam de falar. ‘E se elas tiverem
razão?’ ‘Como saberei a hora de me abrir? ‘Será que um dia vou me abrir de
verdade?’ E num ímpeto forte, sentiu esvaziar-se, de um jeito que nunca havia
sentindo. Como se uma sensação de dor e prazer a preenchesse. Ao mesmo tempo em
que se esforçava para afastar-se da dor, um súbito prazer a preenchia. Num
estado de êxtase percebeu que não estava só e que dentro de si crescia o objeto
de todo aquele prazer... dor... prazer!
Pensou ‘como poderia sentir
sensações tão díspares e complementares ao mesmo tempo?’ ‘É impossível?’. E
naquele momento acordou de um sonho, que percebeu, arrebatador e escolheu viver
na sua comunidade, partilhando de sensações intrínsecas as ostras produtivas.
por Rosemeire Benedita da Silva